segunda-feira, 9 de maio de 2011

Bastidores da Pedra

Por Manoel Soares
Publicado no Diário Gaúcho

O que vou escrever é baseado no que tenho visto e vivido nas comunidades em que ando. Por mais que muitos, depois de ler, fiquem mordidos, é a mais pura realidade. Avenidas e ruas estão cada vez com menos zumbis da pedra zanzando. Por quê?

O crack, durante anos, atormentou a vida dos moradores de comunidades. Fomos vítimas e algozes dessa desgraça. As favelas, que antes vendiam droga para os boys, sustentavam o tráfico sem precisar da grana do asfalto. Por outro lado, os viciados quebravam o equilíbrio das bocadas – não respeitavam escolas, igrejas e nem varais.

Os traficantes estavam num dilema: se matassem os viciados as “donas Marias” se revoltariam com a morte dos filhos e a alcaguetagem era iminente. A solução foi deixá-los vivos, mas expulsá-los da comunidade. O medo começou a descer o morro, as estruturas sociais tremeram e foi uma correria, pois a praga estava atingindo os filhos dos faraós. Os acampamentos de craqueiros nas ruas do Centro eram comuns.

Para aplacar a crise, a polícia entrou no jogo. Após algumas medidas socioeducativas e muitas borrachadas, quem sobreviveu ao terror da pedra foi em busca de anistia na comunidade de origem. Apesar de viciados, prometeram a mães e familiares que iriam mudar e tal. Como esperado, sem ajuda profissional ou intervenção médica voltaram ao cotidiano de roubo e consumo.

A questão é que não podem mais voltar para o asfalto e o tráfico não tolera o comportamento de um usuário crônico. No meio desse de caos, muitas mães têm vindo a mim dizer que seus filhos simplesmente sumiram. Não acham nem vestígio deles. A maioria acredita que não estejam vivos, pois não tinham condições nem de pegar um ônibus. Se estão mortos, onde estão os corpos?

Chego a uma mórbida conclusão: se, como sociedade, não tivemos competência para resolver o problema do crack, o sistema que o criou está resolvendo, mas à sua maneira. Pode parecer cômodo para nós, mas o preço disso é alto e a conta vai chegar um dia. O crack é só o começo de muito que está por vir. Temos de abrir o olho. Valeu, galera!