sábado, 12 de março de 2011

Perdoem o anjo

Por Manoel Soares
Publicado no Diário Gaúcho

Ver que seu filho já lava louças sozinho. Acordar um dia e se dar conta de que sua filha usa sutiã ou que sua mãe envelheceu e tem mais cabelo branco do que quando você reparou pela última vez. Perceber que seu irmão mais novo precisa de um barbeador.

Essas são algumas das constatações a que muitos de nós chegamos depois um tempo, não que sejamos irresponsáveis ou desatentos, mas porque voltamos nossos olhos para aqueles que pareciam precisar mais da nossa ajuda naquele momento.

Professores, policiais, educadores sociais e muitos outros sabem do que estou falando. Em algum momento, já foram acusados desse pecado.

A Bíblia diz que “quem não faz previsão para os seus é pior do que alguém sem fé”. Mas nossa ausência é por excesso de fé, nossa abnegação se explica por ver que os anjos da morte se espalham com uma velocidade assustadora.

Autodeclaramo-nos “anjos da vida” e esticamos nossas asas imaginárias para tentar fazer a diferença, pelo menos, naquele dia. Com a imbecilidade de mergulhadores salva-vidas, pulamos na água mesmo sabendo que, com o mar revolto, não será possível voltar.

Nossa ingenuidade nos convence que todos vão entender. Talvez, todos entendam, mas não o tempo todo. Um dia, o mundo à nossa volta nos olha e exige que mudemos a escolha diária. Nessa hora, o peito rasga e não temos escolha, um pouco de nós vai morrer ali.

Respeito e admiro aqueles que conseguem esquecer o mundo para cuidar dos seus, eu não cheguei a este nível de evolução. Faço parte daqueles que ainda esquecem dos seus para cuidar do mundo.

Sei bem como isso doi, não sei se um dia farei diferente. Porém, como disse um amigo que compartilha da mesma dor que eu: “Perdoem esse anjo que não me deixa em paz”.

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